quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Hermes


Hermes

«O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer cousa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última cousa em que se reparava - como se falar fôsse, para este homem, menos que existir -, era a de um sorriso como o que se atribui em verso ás cousas inanimadas belas, só porque nos agradam - flôres, campos largos, aguas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.»

Álvaro de Campos, "Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro"

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