quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Síntese do capítulo IV de Memorial do Convento

Neste capitulo há a apresentação de um novo personagem: Baltasar, o “Sete-Sóis”
Baltasar Mateus, é um homem de 26 anos, mais conhecido como "o Sete-Sóis". É um excluído da guerra, por perder a sua mão esquerda numa batalha contra Espanha na chamada Guerra da Sucessão (1704-1712). Regressado a Portugal, Baltasar pelas poucas economias que tinha guardado no seu tempo enquanto soldado, torna-se um mendigo, e vive de esmolas em Évora. No entanto nesta época, o Alentejo era uma zona muito pobre onde se vivia na miséria, e Baltasar ao ficar a saber que o exército já não vinha ajudar esta província decide partir para Lisboa.
Com o dinheiro proveniente da esmola, Baltasar consegue pagar um gancho e um espigão de ferro, que encomendara a um ferreiro. O gancho, para lhe substituir as funcionalidades da mão amputada e o espigão servia-lhe como arma de defesa. Baltasar pouco os utilizava, primeiro porque se apercebia que recebia menos esmola e segundo por sofrer da chamada dor do membro fantasma, em que o indivíduo amputado sente dor ou comichão no membro que já não tem. No entanto na sua viagem para Lisboa, vai dar uso ao seu espigão, ao matar um homem de dois que o tentaram roubar.
Baltasar na sua viagem passa por Montemor, Pegões e em Aldegalega apanha uma embarcação que o irá levar a directamente a Lisboa. Chegado a Lisboa, encontra-se num dilema, não sabe se regressa a Mafra onde tem família e onde pode trabalhar, ou se fica em Lisboa a viver á custa de esmolas. Enquanto não se decide vagueia pelas ruas da capital passando pelo mercado do peixe, pelo palácio do rei (que se encontra fora a caçar em Azeitão com os seus irmãos infantes), pelo Terreiro do Paço e pela igreja da Nossa senhora da Oliveira onde assiste a uma missa. Nesse mesmo dia Baltasar conhece João Elvas, que também fora soldado, com quem passa a noite junto de outros mendigos num telheiro abandonado. Antes de dormirem ambos contam histórias de assassinatos que ocorreram na cidade, como o homicídio de uma mulher cometido pelo seu marido adúltero, ou o esquartejamento de um jovem rapariga cujos pedaços do corpo foram espalhados pela cidade. A estas mortes os ex-soldados compararam com as que presenciaram na guerra.

O narrador neste capítulo destaca, entre outros eixos temáticos, o abuso do poder e a exploração dos mais humildes. Esta perspectiva revela, pois, o olhar comprometido do narrador perante a vida e as desigualdades sociais. É criticada também a guerra: desumana e absurda, vitima homens em nome de um interesse que lhes é completamente desconhecido e abandona-os à sua sorte quando doentes.

Joana Sebastião nº7 12ºC

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Síntese do Capítulo VIII da obra Memorial do Convento

Baltasar e Blimunda vivem uma relação amorosa já á quase um ano. São um casal que vive numa comunhão mas fora da moral da época, infringindo as regras da sociedade. Isto é, a sua união é ilegítima pois não fora sacramentada pela igreja.
Baltasar questionava Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço porque comia ela pão todas as manhãs antes de abrir os olhos. Mas recebia como resposta que era um hábito que trazia desde criança.
Uma manhã, Baltasar esconde o pão a Blimunda e diz-lhe que só lho devolve se ela lhe contar o seu mistério. Ela implora e tapa os olhos com os punhos. Quando Baltasar tenta desviar as suas mãos, ela diz que lhe revela o segredo depois de comer o pão. E assim foi. Depois da pequena refeição tomada Blimunda diz que tem o dom de, em jejum, ver as pessoas por dentro. Porém este dom desaparecia sempre que o quarto da lua mudava. Sete - Sóis não acredita no que ouve e então combinam que no dia seguinte Blimunda não comeria, ambos sairiam á rua, e ela lhe diria o que via. No dia seguinte Blimunda não comeu duas refeições para apurar a vista e saíram de casa. Baltasar atrás e Blimunda á frente, para que não o pudesse ver, pois prometera que nunca o faria. Passeiam os dois e Blimunda mostra o seu segredo. Viu dentro dos corpos, por detrás da pele e da roupa, dentro da terra. Para Sete – Sóis eram coisas tristes de se verem, mas como ele não vê, só olha, não sabe como acreditar em tudo o que ela dizia. Para o provar, Blimunda diz-lhe que faça um buraco na terra e que retire dali uma moeda. Baltasar escavou e foi o que aconteceu.
Neste capítulo o narrador faz uma crítica ao povo português que é motivo de gozo por parte dos outros países. Por exemplo quando se diz que “os marinheiros vão para o mar descobrir a índia descoberta ou o Brasil encontrado” (ou seja, não vão fazer nada de especial) e que o infante D. Francisco dispara sobre os eles apenas para mostrar a sua boa pontaria. Desta forma, o narrador ironiza afirmando que é melhor para estes marinheiros serem feridos logo na sua terra e pelos seus superiores, que longe e pelos inimigos franceses. São também criticados os portugueses que se encontram no Rio de Janeiro, que por estarem a dormir, deram pouco trabalho aos franceses. Estes pareciam estar nas suas próprias terras: venderam na praça tudo o que tinham roubado e o que não faltou foram portugueses, mesmo sendo mais em quantidade, pagaram para recuperar o que era seu. O narrador dá como certo haver traidores entre os portugueses, mas justifica este facto pela forma como os nossos soldados eram mal tratados.
Outro exemplo de ironia, que o narrador utiliza para criticar a nossa sociedade está presente na passagem “..consideremos o caso das 30 naus francesas…, que é perto” e “e agora veio-se a saber.. galhofas estrangeiras”.
Para além dos militares também a igreja é criticada com o caso de um clérigo que gostava especialmente da companhia das mulheres e das suas camas, para satisfazer o seu prazer. Neste capítulo está descrita a sua fuga do clérigo dos oficiais e agarradores. Mais uma vez podemos ver a descrição crua que o narrador faz, pois o clérigo teve que fugir da casa onde estava tal como estava, ou seja, tal como veio ao mundo, sendo motivo de gozo para todos os que o viram passar pela rua e entrar assim na igreja. Este clérigo é descrito como pugilista (pois bateu nos quadrilheiros pretos) e como garanhão (por apreciar da presença feminina), isto é, coisas impróprias da sua classe social.
Mais uma vez conseguimos ver as diferenças entre as classes sociais. O encontro entre o cardeal D. Nuno da Cunha e o rei é descrito com muito pormenor, riqueza e excessos. O cardeal vai receber o “chapéu” ou “barrete” pelas mãos do rei. Através destas expressões (chapéu e barrete) e da descrição feita podemos ver o desdém que o narrador sente por toda esta riqueza.
Ao contrário desta vida das classes altas, os pobres, como Baltasar, acostumam-se á sua vida. “…mas lá estão os caldos da portaria… este povo habitou-se a viver com pouco”.
Por fim nasce o segundo filho do rei e da rainha, cujo nascimento tinha sido previsto por Blimunda e o capítulo termina com a deslocação do rei a Mafra para escolher onde será construído o convento. Num alto chamado de Vela.


Inês Teotónio
nº11

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sintese do 1º capítulo do livro: “Felizmente há luar” de Luis Sttau Monteiro

·         Luís Infante Lacerda de Sttau Monteiro nasceu a 3 de abril de 1926, licenciou-se em direito na Faculdade de Lisboa, mais tarde tornou-se jornalista e escritor chegando mesmo a ser preso pela PIDE. Faleceu a 1993; 
·         Peça de teatro em 2 Actos;
·         Inspiração no livro de Raul Brandão «1817»;
·         O título «Felizmente Há Luar!» é a última fala da personagem Matilde. Foi escolhido por simbolizar a esperança no fim do salazarismo. O luar é o símbolo da nova luz que vem substituir a total escuridão na qual Portugal viveu durante tantos anos;
·         A publicação da obra foi feita em 1961 mas foi censorada pela PIDE;
·         Em 1974, depois da revoluçao dos cravos, foi novamente colocada nas livrarias
·         E finalmente foi representada no Teatro Nacional em 1978, pelos actores Varela Silva e Eunice Munõz;
·         O objectivo do autor foi criar uma obra de denúncia social, política e religiosa.
·         Faz um paralelismo entre o tempo histórico em que se passa a acção (antigo regime absolutista) e o tempo em que foi escrita (regime salazarista). Nesta comparação entre épocas encontram-se idênticas instituições da sociedade portuguesa, p.ex., entre a PIDE e a Junta Provisória;
·         Personagem principal é o general Gomes Freire. O autor nutria por ele uma grande admiração e o considerava uma das mais importantes e expressivas personagens da história de Portugal;
·         Acção do teatro passa-se em Lisboa no ano de 1817, dia 18 de Outubro;
·         Os ingleses vivem em Portugal;
·         A realeza zarpou para o Brasil;
·         Como substituição da realeza foi criada a Junta Provisória;
·         O Acto I começa com uma conversa entre Manuel, Rita, o Antigo Soldado, os Populares e uma Velha. O tema é o general Gomes Freire. Consideram-no um herói e a única pessoa que os pode libertar do sofrimento e da opressão;
·         Ainda no 1º Acto, as 5 personagens (Andrade Corvo, Morais Sarmento, Vicente e dois policias querem incriminar o general pois sabem que este era o único que lhes podia tirar o poder e as regalias. Então decidem usá-lo como bode expiatório da revolução iminente;
·         No fim do Acto I estes juntam-se a D. Miguel e a Beresford para o prender, julgar e executar.

Alexandre gomes nº1 12ºC

sábado, 4 de dezembro de 2010

Antropofagias

Texto 6

Não se esqueçam de uma energia bruta e de uma certa/
maneira delicada de colocá-la no «espaço»/
ponham-na a andar a correr a saber/
sobre linhas curvas e linhas rectas «fulminantes»/
ponham-na sobre patins com o stique e a bola como/
«ponto de referência» ou como «pretexto espaço-tempo»/
para aplicação da «dança»/
experimentem uma ou duas vezes ou três reter determinada/
«imagem» e metam-na «para dentro» assim imóvel/
e fiquem parados «aí» com a imagem parada talvez brilhando/
é qualquer coisa como uma sagrada suspensão/
e abrindo os olhos então o jogo retoma a imagem/
que entretanto ficou incrustada no escuro a brilhar sempre/
e dela «parece» que o movimento parte de novo/
é uma «linguagem» e energia e delicadeza atravessam o ar/
espectáculo do «verbo primeiro e último» apanhem a figura «absoluta»/
do pé esquerdo o patim refulge a mão direita «prolonga-se»/
vamos achar bem que o stique seja a «respiração»/
extrema e extensa/
a bola põe-se a «caligrafar» todo um sistema de planos/
intensos leves/
«metáfora» decerto minuto a minuto destruída pela pergunta/
«que jogo é este para o entendimento dos olhos?»/
a resposta «alegria» tudo esgota/
mas só um sentimento de urgência corporal dá ao jogo/
uma «necessária dimensão»/
«o jogo respira?» perguntam  e diz-se «que respira»/
«então deixem-no lá viver» como se se tratasse de/
«uma criatura»/
podemos confundir «isto» com «acertar»?/
o jogo apenas acerta consigo mesmo e este acerto é o próprio/
«jogo»/
nele ressaltam só qualidades de acção força delicadeza/
envolvimento emsi mesmo/
e o prazer de maquinar o universo numa restrita/
organização de linhas vividas em «imanência»/
de imagem em imagem se transfere o corpo/
sempre à beira de «ser» e parando e continuando/
e ainda «apagando e recomeçando» como se continuamente/
bebesse de si e tivesse o ar pequeno para demonstrar/
a grandeza de si a si mesmo/
«referido a quê senão ao absurdo de um espelho?»/
«a enviar-se» cerradamente entre os seus limites/
zona frequentada pela «ausência viva»/
destreza porque sim forma porque sim aplicação porque sim/
de tudo em tudo/
de nada em nada pelo gozo «básico» de «estar a ser» 

Herberto Helder, Antropofagias

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Hermes


Hermes

«O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo - nem alta nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer cousa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última cousa em que se reparava - como se falar fôsse, para este homem, menos que existir -, era a de um sorriso como o que se atribui em verso ás cousas inanimadas belas, só porque nos agradam - flôres, campos largos, aguas com sol -, um sorriso de existir, e não de nos falar.»

Álvaro de Campos, "Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro"

domingo, 28 de novembro de 2010

Síntese do Capítulo IX- Memorial do Convento

- Mudança de Baltasar e Blimunda para a Quinta em S.Sebastião da Pedreira, para auxiliar o Padre Bartolomeu Lourenço na construção da Passarola;
- Continuação da construção da passarola pelo Padre e pelo casal;
- Ajuda preciosa de Blimunda na cosntrução, que utilizando o seu dom, vai descobrindo as fraquezas da obra para posteriormente serem reparadas;
- O padre Bartolomeu atribui a Blimunda o nome de Sete Luas, por ver às escuras, e o nome de Sete Sóis a Baltasar por ver às claras;
- Descoberta dos inúmeros casos das freiras, alguns destes com o próprio rei, e posterior manifestação contra a ordem imposta por D.João V afirmando que estas apenas podem falar no Convento com Familiares;
- Apercebemo-nos que o Rei cedendo mais uma vez aos seus caprichos e agindo de acordo com a sua personalidade, protege o Padre Bartolomeu Lourenço da Inquisição;
- Surgimento de um problema na construção da passarola, a falta de Éter. O Padre vai então partir para a terra dos sábios sobre Alquimia e Éter na Holanda.
- O casal com a partida do padre para a holanda, decide regressar a Lisboa, e em vez de irem assistir ao auto-de-fé, vão às touradas no Terreiro do Paço, pois estas ainda não existiam em Mafra.
-As touradas são comparadas aos auto-de-fé, pois ambas remetem para a alegria e euforia exprimentadas pelo rei e pelo povo.
- Verifica-se uma ironia por parte do narrador, quando este afirma que as pessoas em Lisboa já não estranham o cheiro a carne queimada pois estão habituados aos autos-de-fé. Há tambem uma perspectiva crítica quando diz que a morte dos judeus é positiva pois os seus bens remetem para a coroa.
- Partida de Blimunda e Baltasar para Mafra.


( Tenho mais resumos/apontamentos deste capítulo, se alguém quiser, esteja à vontade para pedir.)


Joana Ariosa

Capítulo III - Memorial do Convento

Inicia o capítulo com o contraste entre ricos e pobres: caracteriza a gula dos ricos e as suas consequências e, por outro lado, mostra que a carência alimentar dos pobres pode levá-los à morte.

Tinha terminado o Entrudo iam entrar no período de Quaresma

Referência à imundície que havia em Lisboa nesta época, mostrando, mais uma vez, que ao rei apenas importava a sua ostentação e o poder, não o seu povo.
“Porque a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, …, de lama mesmo quando não chove…”

“Lisboa cheira mal, cheira a podridão…”

“… o mal é dos corpos, que a alma, essa, é perfumada.”



Deste capítulo podemos concluir que as ideias principais são:
A descrição dos contrastes entre ricos e pobres;
A entrada na Quaresma;
A explicação de tudo o que se passa durante a procissão de penitência, aproveitando Saramago para criticar os costumes e rituais da época;
A infidelidade das mulheres e o desinteresse dos maridos;
Os sonhos de D. Maria Ana com D. Francisco e a sua devoção.

Diogo Ferreira nº6 12ºC

T. Pastrana Double Backflip - X Games 2006

sábado, 27 de novembro de 2010

Lisboa

«A saudade, dizia Maria do Carmo, não é uma palavra, é uma categoria do espírito, só os portugueses conseguem senti-la, porque têm esta palavra para dizer que a têm, disse-o um grande poeta. E então começava a falar de Fernando Pessoa. Ia buscá-la a casa dela na Rua das Chagas por volta das seis da tarde, ela ficava à minha espera atrás de uma janela, quando me via desembocar no Largo de Camões abria o pesado portão e descíamos em direcção ao cais deambulando pela Rua dos Fanqueiros e pela Rua dos Douradores, vamos seguir um itinerário fernandino, dizia ela, estes eram os lugares predilectos de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, semi-heterónimo por definição, era aqui que ele fazia a sua metafísica, nestas barbearias. Àquela hora a Baixa estava cheia de gente apressada e barulhenta, os escritórios das companhias de navegação e das firmas comerciais fechavam os guichets, nas paragens dos eléctricos havia bichas enormes, ouvia-se os gritos dos engraxadores e dos ardinas. Enfiávamos na confusão da Rua da Prata, atravessávamos a Rua da Madalena e descíamos em direcção ao Terreiro do Paço, branco e melancólico, onde os primeiros cacilheiros atulhados de gente largavam para a outra banda. Estamos já na Lisboa de Álvaro de Campos, dizia Maria do Carmo, em puocas ruas mudámos de heterónimo.
Àquela hora a luz de Lisboa era branca para os lados da barra e rosada sobre as colinas, os edifícios pombalinos pareciam uma oleografia e o Tejo era sulcado por uma miríade de barcos. Aproximávamo-nos do cais, o cais onde Álvaro de Campos ia esperar ninguém, como dizia Maria do Carmo, e recitava alguns versos da «Ode Marítima», aquela passagem em que o pequeno paquete desenha o seu perfil no horizonte e Campos sente um volante que começa a girar dentro de si. A noite ia caindo sobre a cidade, acendiam-se as primeiras luzes, também o Tejo se acendia com os reflexos, nos olhos de Maria do Carmo havia uma grande melancolia. Talvez sejas novo demais para perceberes, com a tua idade eu não teria percebido, não teria imaginado que a vida fosse como um jogo a que eu jogava na minha infância em Buenos Aires, Pessoa é um génio porque percebeu o reverso das coisas, do real e do imaginado, a poesia dele é um juego del revés.

Antonio Tabucchi, O Jogo do Reverso

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Apresentação Oral - Síntese do Capítulo II da obra Memorial do Convento

O Capítulo II da obra “Memorial do Convento” começa com a referência a Portugal como um país bem servido de milagres, sendo que até mesmo a concepção da rainha, se ocorresse, seria vista como mais um entre os vários milagres tradicionalmente relacionados à ordem de São Francisco. Diz-se, por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto, conservara o seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande quantidade de devotos para a sua igreja, tendo sido dito que nessa mesma igreja foi dada vista a cegos e pés a mancos.
Noutra altura, deu-se outro milagre. Este está relacionado com Santo António, uma vez que, certo dia, a sua a imagem, que vigiava uma igreja franciscana, moveu-se até uma janela pela qual ladrões tentavam entrar, pregando-lhes assim um grande susto. O que mais alto na escada se encontrava caiu ao chão, desamparado, tendo sido socorrido por fiéis, com os quais acabou por se recuperar, tornando-se um homem são, salvo e arrependido.
Outro caso, sendo este o principal do capítulo, é o do furto de três lâmpadas de prata do convento de S. Francisco de Xabregas, no qual entraram ladrões pela clarabóia e, passando junto à capela de Santo António, nada ali roubaram. Tudo começou pela meia-noite, quando os frades, ao entrar na igreja, deram com ela às escuras. Verificaram de imediato que não era o azeite que faltava através do tacto e do cheiro, uma vez que este se encontrava derramado no chão. Só depois então perceberam que o que faltava eram as lâmpadas, uma vez que ainda puderam ver as correntes onde estas tinham estado suspensas a oscilar, o que indicava que o crime ainda estava “fresco”. Assim, esperando que os ladrões estivessem por perto, saíram em patrulhas pelas estradas, enquanto que outros, desconfiados de que os ladrões pudessem estar ainda escondidos na igreja, deram a volta, percorreram-na e só nessa altura viram que no altar de Santo António, rico em prata, nada havia sido mexido. O frade, com toda aquela preocupação e irritação, culpou Santo António por ter deixado ali passar alguém, sem que nada lhe tirasse, e disse: “E vós, santo, só guardais a prata que vos toca, e deixais levar a outra, pois em paga disso não vos há-de ficar nenhuma, e ditas estas violentíssimas palavras, foi-se à capela e começou a despi-la toda, tirando não só as pratas, mas as toalhas e adornos, e não só à capela, mas também ao próprio santo, que viu levarem-lhe a auréola de tirar e pôr, e a cruz, e que ficaria sem Menino ao colo se outros religiosos não tivessem acudido, achando punição excessiva e advertindo que o deixasse para consolação do pobre castigado.” Assim, o frade deixou o Menino como seu “fiador", até que o santo se dignasse a devolver as lâmpadas. Com tudo isto que se passou eram já duas depois da meia-noite, e, assim, recolheram-se os frades e foram dormir, alguns temendo que viesse o santo tirar a desforra do insulto... Na manhã seguinte, apareceu na portaria do convento um estudante, que, querendo falar ao prelado (bispo), revelou estarem as lâmpadas no Mosteiro da Cotovia, dos padres da Companhia de Jesus. Desta forma, faz-nos desconfiar que o tal estudante, apesar de querer ser padre, fora o autor do furto e que, arrependido, deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem de as devolver pessoalmente. Desta forma, voltaram as lâmpadas a S. Francisco de Xabregas, e o responsável não foi descoberto.
Por fim, e incidindo agora um pouco mais no narrador, é importante referir que este volta ao caso do frei António de S. José, levando-nos a desconfiar que este, através do confessor de D. Maria Ana, soube da gravidez da rainha muito antes do rei.
No que toca à construção frásica, não só neste capítulo mas também em muitos outros, é possível verificar a ausência de sinais indicadores de diálogo, sendo normalmente uma virgula que separa as falas das personagens. Também os pontos de exclamação e de interrogação se encontram omissos, sendo no entanto, possível a sua percepção por parte do leitor.

Diana Carreto, nº5 12ºC

sábado, 20 de novembro de 2010

Exame Nacional de Português

Acabei de colocar na secção "Ligações", a ligação relativa às orientações para o exame nacional.

Carlos Jesus

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Leitmotiv

 Figura de repetição, no decurso de uma obra literária, de determinado tema, a qual envolve uma significação especial.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Êxtase de Santa Tereza



“O Êxtase de Santa Tereza”, é a obra prima de Bernini e marca o auge do estilo barroco. Ele chegou a construir uma capela como cenário para expo-la, incluindo balcões pintados nas paredes, cheios de “espectadores” em relevo.
Enquanto viveu, Santa Tereza tinha visões e ouvia vozes, acreditando que havia sido trespassada pelo dardo de um anjo, que lhe infundiu o amor divino. Ela descrevia sua experiência mística em termos que beiravam o erótico. “A dor foi tão grande que gritei; mas ao mesmo tempo senti uma doçura tão infinita que desejei que a dor durasse para sempre.”

Soror Violante do Céu

Soneto

Amor, se ua mudança imaginada
É já com tal rigor minha homicida,
Que será se passar de ser temida
A ser, como temida, averiguada?

Se só por ser de mi tão receada
Com dura execução me tira a vida,
Que fará se chegar a ser sabida?
Que fará se passar de suspeitada?

Porém se já me mata, sendo incerta,
Somente imaginá-la e presumi-la,
Claro está (pois da vida o fio corta),

Que me fará despois, quando for certa,
Ou tornar a viver para senti-la,
Ou senti-la também depois de morta.

Rimas Várias

sábado, 13 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

O Sonho Impossível

A Morte de Deus em Nietzsche

Em A Gaia Ciência, Nietzsche destaca que «o acontecimento mais importante da época actual - que "Deus morreu", que a fé no deus cristão foi impossível de manter - já começa a dissipar as primeiras nuvens sobre a Europa. No final, o horizonte apresenta-se livre diante de nós, apesar de não ser brilhante; no final o mar, o nosso mar, abre-se. Talvez nunca se tenha aberto assim um mar». Por outras palavras, o declínio da crença em Deus abre o caminho às energias criadoras do homem, ao seu desenvolvimento total; o Deus cristão, com os seus mandamentos, com as suas proibições, fica de lado pelo caminho; e os olhos do homem não estarão mais virados para um mundo irreal e sobrenatural, para o outro mundo, mas sim para este. Tal ponto de vista transporta claramente a ideia implícita de que o conceito de Deus é hostil à vida. E é, precisamente, este o empenho de Nietzsche, empenho que ele expressa com uma veemência cada vez maior. «O conceito de Deus - afirma em O Crepúsculo dos Ídolos - foi até agora a objecção maior contra a existência.» E em O Anticristo lemos que «com Deus se declara guerra à vida, à natureza e à vontade de viver. Deus é a fórmula de toda a calúnia contra este mundo e de toda a mentira em relação ao mais além». É inútil multiplicar as citações. Nietzsche chega a aceitar que a religião, em algumas das suas fases, expressou a vontade de viver ou, ainda melhor, a de poder; mas a sua atitude geral é a de que a fé em Deus, especialmente no da religião cristã, é hostil à vida e que, quando exprime a vontade de poder, tal vontade é a dos tipos inferiores do homem.

in, F. Nietzsche, Vida, pensamento e obra, «Colecção Grandes Pensadores, nº15», Público

Desassossego

94.
Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. Nunca esta cor rosa amarelecendo para branco quente pousou assim na face com que a casaria de oeste encara cheia de olhos vidrados o silêncio que vem na luz crescente. Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão. Altos montes da cidade! Grandes arquitecturas que as encostas íngremes seguram e engrandecem, resvalamentos de edifícios diversamente amontoados, que a luz tece de sombras e queimações – sois hoje, sois eu, porque vos vejo, sois o que [serei?] amanhã, e amo-vos da amurada como um navio que passa por outro navio e há saudades desconhecidas na passagem.

89.
A única atitude digna de um homem superior é o persistir tenaz de uma actividade que se reconhece inútil, o hábito de uma disciplina que se sabe estéril, e o uso fixo de normas de pensamento filosófico e metafísico cuja importância se sente ser nula.

268.
O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente. Tenho sentido isto muitas vezes. Passo numa rua. Não vejo nada, ou antes, olhando tudo, vejo como toda a gente vê. Sei que vou por uma rua e não sei que ela existe com lados feitos de casas diferentes e construídas por gente humana. Passo numa rua. De uma padaria sai um cheiro a pão que nauseia por doce no cheiro dele: e a minha infância ergue-se de determinado bairro distante, e outra padaria me surge daquele reino das fadas que é tudo que se nos morreu. Passo numa rua. Cheira de repente às frutas do tabuleiro inclinado da loja estreita; e a minha breve vida de campo, não sei já quando nem onde, tem árvores ao fim e sossego no meu coração, indiscutivelmente menino. Passo uma rua. Transtorna-me, sem que eu espere, um cheiro aos caixotes do caixoteiro: ó meu Cesário, apareces-me e eu sou enfim feliz porque regressei, pela recordação, à única verdade, que é a literatura.

138.
Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da sensibilidade. A erudição da sensibilidade nada tem a ver com a experiência da vida. A experiência da vida nada ensina, como a história nada informa. A verdadeira experiência consiste em restringir o contacto com a realidade e aumentar a análise desse contacto. Assim a sensibilidade se alarga e aprofunda, porque em nós está tudo; basta que o procuremos e o saibamos procurar. Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma. "Qualquer estrada", disse Carlylé, "até esta estrada de Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo." Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar. Condillac começa o seu livro célebre, "Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações". Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava partida é a que percorro e é minha. Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que há na terra. Passei já por cidades mais que as existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar. Nos países que os outros visitam, visitam-nos anónimos e peregrinos. Nos países que tenho visitado, tenho sido, não só o prazer escondido do viajante incógnito, mas a majestade do Rei que ali reina, e o povo cujo uso ali habita, e a história inteira daquela nação e das outras. As mesmas paisagens, as mesmas casas eu as vi porque as fui, feitas em Deus com a substância da minha imaginação.

10.
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados

250.
Mesmo que eu quisesse criar, a única arte verdadeira é a da construção. Mas o meio moderno torna impossível o aparecimento de qualidades de construção no espírito. Por isso se desenvolveu a ciência. A única coisa em que há construção, hoje, é uma máquina; o único argumento em que há encadeamento o de uma demonstração matemática. O poder de criar precisa de ponto de apoio, da muleta da realidade. A arte é uma ciência... Sofre ritmicamente. Não posso ler, porque a minha crítica hiperacesa não descortina senão defeitos, imperfeições, possibilidades de melhor. Não posso sonhar, porque sinto o sonho tão vivamente que o comparo com a realidade, de modo que sinto logo que ele não é real; e assim o seu valor desaparece. Não posso entreter-me na contemplação inocente das coisas e dos homens, porque a ânsia de aprofundar é inevitável, e, desde que o meu interesse não pode existir sem ela, ou há-de morrer às mãos dela ou secar. Não posso entreter-me com a especulação metafísica porque sei de sobra, e por mim, que todos os sistemas são defensáveis e intelectualmente possíveis; e, para gozar a arte intelectual de construir sistemas, falta-me o poder esquecer que o fim da especulação metafísica é a procura da verdade.
Um passado feliz em cuja lembrança torne a ser feliz; sem nada no presente que me alegre ou me interesse, em sonho ou hipótese de futuro que seja diferente deste presente ou possa ter outro passado que esse passado, jazo a minha vida, consciente espectro de um paraíso em que nunca estive, cadáver-nado das minhas esperanças por haver. Felizes os que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado.

9.
Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora. E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução.

255.
Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse (1), e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia (2). Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo. Entendemo-nos porque nos ignoramos. Que seria de tantos cônjuges (3) felizes se pudessem ver um na alma do outro, se pudessem compreender-se, como dizem os românticos, que não sabem o perigo - se bem que o perigo fútil - do que dizem. Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele, a figura volúvel da mulher sublime (4), que aquela não realizou. Os mais felizes ignoram em si mesmos estas suas disposições frustradas; os menos felizes não as ignoram, mas não as conhecem, e só um ou outro arranco fruste, uma ou outra aspereza no trato, evoca, na superfície casual dos gestos e das palavras, o Demónio oculto, a Eva antiga, o Cavaleiro e a Sílfide. A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver. Somos contentes porque, até ao pensar e ao sentir, somos capazes de não acreditar na (6) existência da alma. No baile de máscaras que vivemos, basta-nos o agrado (7) do traje, que no baile é tudo. Somos servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade, nem há para nós - salvo se, desertos, não dançamos - conhecimento do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós, julgamos que é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da verdade do que nos supomos. Tudo quanto fazemos ou dizemos, tudo quanto pensamos ou sentimos, traz a mesma máscara e o mesmo dominó. Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato. Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão pegados a nós como as penas das aves, vivemos felizes ou infelizes, ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os deuses para os divertirmos, como crianças que brincam a jogos sérios (8). Um ou outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente - mas até esse raras vezes vê - que tudo quanto somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo e não temos razão no que concluímos justo. E esse, que, num breve momento, vê o universo despido, cria (9) uma filosofia, ou sonha (10) uma religião; e a filosofia espalha-se (11) e a religião propaga-se (12), e os que crêem na filosofia passam a usá-la como veste que não vêem, e os que crêem na religião passam a pô-la como máscara de que se esquecem. E sempre, desconhecendo-nos a nós e aos outros, e por isso entendendo-nos alegremente, passamos nas volutas da dança ou nas conversas do descanso, humanos, fiiteis, a sério, ao som da grande orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos organizadores do espectáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram. Mas qual é a razão dessa ilusão, e por que é que há essa, ou qualquer, ilusão, ou por que e que eles, ilusos também, nos deram que tivéssemos a ilusão que nos deram - isso, por certo, eles mesmos não sabem.

Fernando Pessoa, Livro do Dessassossego

Madalenas

Havia já muitos anos que, de Combray, não existia para mim tudo o que não fosse o teatro e o drama do meu deitar, quando, num dia de Inverno, ao regressar a casa, a minha mãe, vendo-me com frio, me propôs que, contra o meu hábito, tomasse um chá. Comecei por recusar e, não sei porquê, mudei de opinião. Ela mandou buscar um daqueles bolos pequenos e roliços chamados «madalenas», que parecem ter sido moldados na concha estriada de uma vieira. E não tardou que, maquinalmente, abatido pelo dia taciturno e pela perspectiva de um triste dia seguinte, levei à boca uma colher de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no preciso instante em que o gole com migalhas de bolo misturadas me tocou no céu-da-boca, estremeci, atento ao que de extraordinário estava a passar-se em mim. Fora invadido por um prazer delicioso, um prazer isolado, sem a noção da sua causa. Tornara-me imediatamente indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, do mesmo modo que o amor opera, enchendo-me de uma essência preciosa: ou, antes, tal essência não estava em mim, era eu mesmo. Deixara de me sentir medíocre, contingente, mortal. Donde poderia ter vindo aquela poderosa alegria? Sentia-a ligada ao gosto do chá e do bolo, mas ultrapassava-o infinitamente, não devia ser da mesma natureza. Donde vinha? Que significava? Onde agarrá-la? Bebo um segundo gole, no qual nada encontro a mais que no primeiro, e um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, a virtude da bebida parece estar a diminuir. É evidente que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. Ela despertou-a, mas não a conhece, e não pode mais que repetir indefinidamente, cada vez com menos força, aquele mesmo testemunho que não sei interpretar e que, pelo menos, quero poder tornar a pedir-lhe e reencontrar intacto, à minha disposição, daqui a pouco, para um decisivo esclarecimento. Poiso a xícara e volto- -me para o meu espírito. A ele cabe encontrar a verdade. Mas como? Grave incerteza, sempre que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo; quando ele, o explorador, é todo ele o país escuro que tem a explorar e onde lhe não servirá de nada toda a sua bagagem. Explorar? Não só: criar. Está diante de algo que não é ainda e que só ele pode tornar real e depois fazer entrar na sua luz.
E recomeço a perguntar a mim mesmo qual poderia ser esse estado desconhecido, que não trazia consigo qualquer prova lógica, mas sim a evidência da sua felicidade, da sua realidade, diante da qual as outras se esfumavam. Pretendo tentar fazê-lo reaparecer. Retrocedo pelo pensamento ao momento em que tomei a primeira colher de chá. Reencontro o mesmo estado, sem uma clareza nova. Peço ao meu espírito mais um esforço, que me traga mais uma vez a sensação que se escapa.

PROUST, Marcel, Em Busca do tempo perdido, Vol. I, «Do Lado de Swann»

Arte e Vida

Embora possa parecer um paradoxo – e os paradoxos são sempre coisas perigosas – não deixa de ser verdade que a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte imita a Vida.

Oscar Wilde, Intenções

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mário Cesariny, «Há uma Hora»

Conselho

Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa